Contexto histórico
O Diatessaron surgiu em um período de transição e consolidação do cristianismo primitivo, durante o século II d.C. Naquela época, ainda não havia um cânon definido do Novo Testamento e muitas comunidades cristãs usavam diferentes coleções de textos. A diversidade de versões dos evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas e João — gerava variações doutrinárias e práticas entre os fiéis. O Diatessaron foi uma tentativa de unificar essas narrativas em uma única obra coerente, refletindo o desejo de sistematizar e harmonizar a tradição cristã.
Ano de publicação
O Diatessaron foi compilado por volta do ano 160-175 d.C., embora sua data exata seja incerta. O texto foi amplamente utilizado em várias comunidades cristãs do Oriente Médio durante os séculos seguintes, especialmente na Síria.
Autor
O autor do Diatessaron foi Taciano, o Sírio, um apologista cristão nascido por volta do ano 120 d.C. Ele foi discípulo de Justino Mártir, um dos primeiros teólogos cristãos. Após a morte de seu mestre, Taciano rompeu com Roma e adotou tendências ascéticas, ligadas ao encratismo, uma seita cristã que pregava o rigor moral. Seu afastamento da ortodoxia acabou contribuindo para que, mais tarde, o Diatessaron fosse gradualmente substituído por compilações dos quatro evangelhos separados.
Criação
Taciano compôs o Diatessaron fundindo os quatro evangelhos canônicos em um único relato contínuo da vida e ministério de Jesus. Ele excluiu repetições, harmonizou divergências e organizou os eventos de maneira cronológica e fluida. Embora existam variações em diferentes reconstruções modernas, estima-se que cerca de 72% do conteúdo tenha vindo do evangelho de Mateus, 66% de Lucas, 58% de Marcos e 97% de João, com exclusão de genealogias contraditórias e repetições doutrinárias.
Publicação
O Diatessaron não foi publicado no sentido moderno, mas circulou amplamente em manuscritos nas igrejas siríacas, sendo adotado como texto litúrgico oficial em Edessa e outras regiões da Síria e Mesopotâmia. Durante mais de dois séculos, foi o evangelho mais utilizado nessas comunidades. No entanto, após o Concílio de Niceia (325) e a definição gradual do cânon do Novo Testamento, o Diatessaron foi suplantado por versões separadas dos quatro evangelhos.
Características distintas
A principal característica do Diatessaron é a sua forma de evangelho harmônico. Ele não apenas reuniu os textos existentes, mas os transformou em uma narrativa contínua e coerente. O trabalho de Taciano evitou repetições diretas, reordenou eventos para manter a cronologia, e fez adaptações linguísticas e teológicas que refletiam sua visão pessoal. O texto foi originalmente escrito em grego, mas teve ampla circulação em siríaco. Infelizmente, o texto grego original se perdeu, restando apenas traduções e reconstruções com base em citações antigas, manuscritos armênios, árabes e siríacos.
Linguagem e estilo
O estilo do Diatessaron é sóbrio e direto, voltado à edificação da fé e à clareza narrativa. A linguagem é harmonizada entre os evangelistas, buscando um equilíbrio entre a sensibilidade judaica de Mateus, a concisão de Marcos, o cuidado histórico de Lucas e a profundidade teológica de João. A tradução siríaca exibe traços da língua aramaica, o que também contribuiu para sua aceitação nas comunidades de fala semita.
Importância e influência
O Diatessaron teve enorme importância nos primeiros séculos do cristianismo oriental. Foi a principal forma de acesso aos evangelhos para muitos cristãos de língua siríaca. Influenciou diretamente obras litúrgicas, catequéticas e teológicas na Síria, e também exerceu papel relevante na fixação de certos relatos da vida de Jesus em obras posteriores. Apesar de sua posterior rejeição pelas autoridades eclesiásticas, sua influência se manteve por séculos em manuscritos e tradições locais.
Relação com outras traduções
O Diatessaron não é exatamente uma tradução, mas uma compilação e harmonização dos evangelhos originais. Sua relação com outras traduções, como o Peshitta (a versão siríaca oficial da Bíblia), é marcada por tensão: a Igreja Síria acabou adotando os quatro evangelhos separadamente por influência das decisões canônicas da Igreja universal. Comparado a outras tentativas posteriores de harmonização dos evangelhos, o Diatessaron se destaca como o primeiro e mais influente esforço conhecido desse tipo.
Edições e legados
Embora o texto original tenha se perdido, versões do Diatessaron sobreviveram em traduções árabes, armênias e fragmentos siríacos. No século XIX, estudiosos como J. P. Smith e A. S. Lewis começaram a reconstruir o texto com base em manuscritos disponíveis. Uma das edições mais conhecidas foi feita por Tatian’s Diatessaron (tradução para o inglês por Hope W. Hogg, incluída na coleção Ante-Nicene Fathers). Atualmente, o Diatessaron é estudado como fonte valiosa para compreender a transmissão do texto evangélico e a formação da tradição cristã primitiva.
Conclusão
O Diatessaron representa uma das mais antigas e influentes tentativas de unificar os evangelhos em uma só narrativa. Sua criação reflete tanto a devoção à figura de Jesus quanto a necessidade pastoral e teológica de uma apresentação coesa de sua vida e ensinamentos. Embora tenha sido eclipsado pelos quatro evangelhos canônicos, sua importância histórica e literária permanece reconhecida. A obra de Taciano é testemunho da diversidade do cristianismo primitivo e da busca constante por unidade e clareza na transmissão da fé.
Referência
HOgg, Hope W. Tatian’s Diatessaron, in: Roberts, Alexander; Donaldson, James (eds.). Ante-Nicene Fathers, Vol. IX. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1885.
BROCK, Sebastian P. The Bible in the Syriac Tradition. Gorgias Press, 2006.
HILL, Charles E. Who Chose the Gospels? Probing the Great Gospel Conspiracy. Oxford University Press, 2010.
Sinto-me de todo privilegiado em tomar conhe-cimento pela vez primeiro de um comentário sobre o texto de Taciano(o Diatesseron). Esse conteudo ainda que limitado é bastante para o enriquecimento do nosso conhecimento da biblia nos primeiros séculos do Cristianismo.Por certo meus alunos hão de exultar agradecidos por este rico e inédito presente. Forasteiro
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